edição 2013/2014

Manual: 1 relativo à mão. 2 feito à mão. 3 manuseável. 4 portátil, leve. 5 livro de pequeno formato que contém as noções essenciais de uma ciência ou arte. 6 compêndio. 7 ritual.

Descobrir: 1 tirar a cobertura a. 2 ver. 3 divisar. 4 achar, encontrar (coisa desconhecida). 5 notar. 6 apontar. 7 reconhecer. 8 inventar. 9 destapar. 10 pôr à vista. 11 revelar, denunciar.

Lugar: 1 espaço ocupado. 2 localidade. 3 terra. 4 povoado. 5 ponto de observação. 6 sítio,  local. 7 circunstâncias especias de alguém. 8 destino.

 

Eis o desafio do projecto: a construção de um Manual para Descobrir Lugares, um Manual de crianças, feito com crianças e para crianças (ou para quem mais o quiser descobrir).  

Ao longo de alguns meses, propôs-se a dois grupos de crianças que explorassem e nos mostrassem o seu bairro: o bairro do Castelo e o bairro de Alfama.

Os adultos, orientadores, deram-lhes as bases, os utensílios e ferramentas para que pudessem explorar territórios, fazer a sua própria descoberta e vir a mostrá-la.

Neste trabalho de exploração e descoberta houve a ajuda dum grupo de professores, nomeadamente, as professoras de cada turma que acompanharam o projecto.

 

E foi assim:

 

As crianças receberam o diário de bordo - o seu caderno pessoal e desta viagem - onde puderam guardar o que quiseram: memórias, desenhos, apontamentos... Não era um caderno comum, podia ser aberto de diferentes formas, de diferentes lados... E se inicialmente as crianças se baralharam ao manuseá-lo (como abrir?, de que lado é que...?), rapidamente se apropriaram dele: foram-no decorando, personalizando até que se tornou um objecto que lhes é querido e do qual foi até difícil separarem-se no final, já que contém segredos que mais ninguém pode ver...

Ansiavam por sair, por ir para a rua, correr, explorar e mostrar o bairro mas... foi necessário prepararmo-nos para esta viagem e encontrar as ferramentas para nos tornarmos exploradores: uma bússola, uns binócolos, chapéu, um mapa…

E o que é um mapa? É uma coisa para sabermos onde estamos e qual é o nosso destino; é uma coisa que usamos para nunca nos perdermos; é um papel que nos segue até uma ilha, e tem uma cruz e um tesouro...

E então, as coisas que temos dentro de nós? Também precisamos de coisas em nós para sermos exploradores de lugares? Intestinos, força, coragem, energia, imaginação, cérebro...

Vou nesta viagem e levo...sapatos para passear e segurança para não me perder; Tenda e coração e também coragem.

Partiu-se do que está dentro de nós, de desvendar e potenciar o que temos para avançarmos para o que está perto de nós e nos é familiar.

Os locais escolhidos pelas crianças para virem a explorar são os locais perto de sua casa ou da casa de algum familiar ou locais onde costumam brincar.

Ao desenharem o caminho casa-escola, as crianças ganharam uma percepção mais concreta do que é o seu bairro, do que existe na cidade, do que é um mapa e um percurso.

Vejo árvores, pessoas a passear os cães, muitos carros...

Conseguimos visualizar esta cidade que é deles, enquanto entramos numa representação pessoal onde a fantasia e a imaginação se misturam com a realidade.  

Aqui é a minha casa, depois passo por um cemitério, depois atravesso um lago com muitos crocodilos, depois subo duas montanhas, depois encontro um camião, no túnel há morcegos, aparecem sempre, depois aqui é um buraco, caio, depois um fantasma, encontro a casa da minha avó, está aqui escrito – avó, desço, depois a ponte e é a escola.

Entusiasmam-se e nós entusiasmamo-nos com eles: ao ver os cafés onde vão com os pais, os amigos que encontram pelo caminho, os passarinhos que lá estão todos os dias sempre no mesmo sitio, mas também as inúmeras escadas que têm de subir, os graffitis nas paredes, as casas velhas e abandonadas, as urtigas ao longo das paredes e os também inúmeros cocós dos cães, que é preciso não pisar...

Já há uma colecção de lugares, os sítios que as crianças escolheram. E há o rio Tejo e a escola, dois grandes pontos de referência.

Então, quando as crianças se posicionam no pátio da escola de acordo com o seu local, o sitio do bairro com o qual se identificam e/ou querem saber mais sobre, forma-se um mapa, forma-se o bairro! E fazem-se percursos:

...subo, subo, depois viro á direita, depois é sempre em frente e apanho o autocarro. Ah, nós andamos, depois descemos e apanhamos um taxi!

De fora, visualizam-se várias linhas que se vão entrelaçando até formarem uma teia, um emaranhado de traços que vão representando o bairro e a cidade, a cidade destas crianças.

Agora já se pode viajar para mais longe, sair, fazer os percursos nas ruas, olhar para o espaço sob diferentes formas: sentado, deitado, por debaixo das árvores, entre as estátuas...

Vejo musgo nas paredes e cócó de pombo.

O modo como as crianças foram observando e escrevendo notas nos seus diários de bordo foi mudando consoante o local onde parávamos; diferentes espaços proporcionaram diferentes estados de espírito e, logo, diferentes perspectivas:

- Vou desenhar um pássaro.

- Viste um pássaro?

- Não, os pássaros estão a assobiar, não vês?!

lugares frescos como as sombras e há lugares quentes como estas pedras e uma fonte e árvores que estão ao sol. Há lugares transparentes como o mar, um barco, nuvens e um sol que são transparentes porque não têm cores, só o azul com o transparente e há lugares opacos como uma árvore porque não é transparente. Há lugares abertos como estas grades, o prédio à frente e o mar e lugares fechados como este canhão é só por aqui uma coisa e depois fica logo todo fechado. Há ainda lugares subterrâneos debaixo da terra, lugares misteriosos porque ninguém acende as luzes e lugares brilhantes como uma lâmpada feita de vidro, uma pedra com sinal duma cruz.

Com o intuito de explorar lugares externos, vão-se explorando também lugares internos e há outras formas de ser um mapa, outras formas de os representar. Tendo os mapas tantos símbolos e às vezes códigos, é preciso começar por transformar e simbolizar. Voltemos ao que está mais próximo de nós, a família.

Na Calçada de Santo André estamos nós as três, a minha irmã que é um caranguejo, eu, que sou um panda e a minha mãe que é a praia. Na Calçada da Graça está o meu pai que é o mundo. Na feira da Ladra está o meu primo que é um canguru. Aqui a serra da Estrela, que é nas montanhas, é o meu primo.

Assim, a família liga-se entre si e para mim através de linhas, zonas e territórios.

Cada lugar tem uma história, e enquanto exploradores de lugares, vamos também às histórias dos sítios, tentamos descobrir o que nos têm para contar, o que se sabe dela, que estórias pode a família contar dos lugares e o que podemos imaginar.

A Rua da Oliveira é porque tem lá uma oliveira? Há uma escola na Rua das Escolas Gerais?

Nesta investigação, algumas das crianças acabam por se identificar muito com os lugares. Saber a sua história confere-lhes outro significado, apropriam-se deles acrescentando elementos para formar a sua estória.

No Castelo de S.Jorge parece-me que há coisas velhas lá dentro como: areia, pedras velhas e etc. Apesar de ter uma ponte velha na entrada ela ainda é usada. E na minha imaginação os aldeões entram com ovelhas, vacas e até porcos. Os guerreiros entravam a cavalo a entregar as coisas ao rei. O rei sentado no seu trono Afonso Henriques mandava-lhes ir buscar a comida, bebida, etc.

E então visitar os lugares, percorrer as ruas recolhendo as palavras que o bairro tem para nos dar e contar. As crianças estão agora  muito despertas para o que as rodeia; Uma menina vê o mapa da cidade numa paragem de autocarro e pergunta-me: onde é  que está a escola aqui?

Todo o meio envolvente torna-se susceptível de interesse, tudo merece ser anotado nos diários de bordo, e cada vez se encontram mais portas para onde se quer espreitar, descobrir o que se encontra do outro lado.

Ferreira e Filhos Ldª, CML escadinhas de Santo Estevão, Vendido 5 de Abril, Beco do espírito Santo 20 12 10, Janelas Paredes, Obra a obra Lisboa melhora, Fado, 3 5 17 25, Varanda escada Porque é que desenharam na parede a cara de um homem? Porque é que a porta está partida? Porque é que a porta está trancada? O que estará atrás da porta número 13 e 11? Porque é que puseram desenhos de flores e árvores? Passagem secreta, Rua dos Remédios

Podemos agora, num trabalho conjunto de todo o grupo, representar este bairro que explorámos, com aquilo que se gosta no bairro (a vista para o castelo, o café que tem rebuçados, o sol a brilhar, não mudava as fontes, os candeeiros que dão muita luz à noite...) mas também com as coisas que se gostaria de mudar (tirava o pino, menos pombos, tirava as casas velhas, punha mais caixotes de lixo, mudava as pedras que estão mal em bem...)

E como o bairro também dá que pensar vão-se  desenrolando diálogos entra as crianças onde se descobrem coisas no bairro e na cidade, mas também coisas em nós e nos outros.

Ao longo destes meses foi havendo um encontro mensal com um grupo de professoras. Foi-se apresentando o projecto desenvolvido com estas duas turmas e recebendo um feedback, tornando-se este um espaço de partilha. Foi muito gratificante ver como as professoras destas turmas se foram envolvendo no projecto e surpreendendo com os seus alunos.

As sessões do Manual para Descobrir Lugares são momentos que ocorrem no contexto escolar embora num ambiente que não é o habitual e onde o desempenho escolar não é avaliado.

As professoras notaram como certas tarefas do âmbito do programa escolar foram sendo desenvolvidas pelos seus alunos com tamanha facilidade e iniciativa: composições escritas, apresentações orais, relações de espaço e tempo, geografia...

As professoras têm oportunidade de conhecer os seus alunos duma outra perspectiva e a relação professor-aluno acaba por se transformar simplesmente na relação adulto-criança, fortificando os laços desta relação.

Terminadas as sessões com as crianças e os encontros com os professores, há um mar de material... Temos o bairro de Alfama e o bairro do Castelo mas numa visão única de cada uma das crianças. Vários caminhos possíveis surgem, vários mapas vão surgindo nas (nossas) cabeça.

Seria necessário escolher, cortar, salientar aquilo que numa só voz se tornaria o mais representativo do que é o bairro, com o cuidado de que se trata do bairro único destas crianças.

Fica a vontade e curiosidade de descobrir outros lugares...